Longe de liberar o acesso de forma irrestrita e sem controle, regulamentação é necessária para proteger mais de 2 milhões de fumantes adultos brasileiros dos riscos associados ao mercado paralelo de dispositivos eletrônicos, além de garantir a aplicação de restrições que só a venda legalizada poderia impor
*por Manuel Carrasco, da AsoVape
Regulamentar a venda de vapes e cigarros eletrônicos não significa liberar o acesso a esses produtos de forma irrestrita e sem controle. Aliás, a falta de uma regulamentação tem sido apontada justamente com um dos impulsionadores do mercado paralelo, especialmente no Brasil, diante da inegável alta demanda por esses itens entre os seus fumantes adultos.
Segundo uma recente pesquisa do Instituto Ipec Inteligência, o mercado de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) quadruplicou de tamanho no país entre 2018 e 2021. Nesse período, houve um salto de 500 mil para mais de 2 milhões de usuários desses produtos1. O dado mais alarmante, contudo, é que todas elas precisam recorrer ao mercado ilegal se quiserem acessar esses itens.
O debate liderado pela Anvisa em torno da possível liberação controlada de vapes e cigarros eletrônicos no Brasil não deve levar em conta apenas alegados riscos como o de introduzir não fumantes ao tabagismo ou o de estimular uma recaída entre aqueles que tentam largar o vício. É muito importante pensar na regulamentação como uma solução mais segura e potencialmente menos danosa para milhões de fumantes adultos que buscam uma alternativa legal ao cigarro tradicional de nicotina – opção que inexiste hoje em território nacional.
Mas antes de acompanhar a sequência dessa discussão, é preciso esclarecer o que significa regulamentar um mercado e o objetivo dessa medida.
Entre outras definições, trata-se de um ato normativo que visa garantir a devida aplicação da lei e das exigências necessárias para a comercialização segura e controlada de uma categoria de produto. O objetivo não é impor e tampouco restringir direitos, mas sim organizar a execução de uma determinada atividade.
A regulamentação é também necessária até mesmo para que todas as restrições e ponderações sobre qualquer produto sejam levados em conta quando ele se torna disponível para os consumidores. Ao mesmo tempo em que se busca construir um mercado livre, competitivo, informado, eficiente e confiável, que protege e harmoniza os interesses de todas as partes envolvidas (dos fabricantes aos usuários), é necessário criar as condições necessárias para promover o desenvolvimento seguro do setor, sem perder de vista o controle sobre a venda e os componentes de certos itens.
Numa visão prática que procura aplicar esses conceitos à venda controlada de vapes e cigarros eletrônicos, é a regulamentação que dificulta o seu acesso por pessoas que não fazem parte do seu público-alvo – notadamente os fumantes adultos. Também é a regulamentação que impõe à indústria exigências mínimas de qualidade e segurança tanto na composição como na forma de distribuição desses produtos.
O mesmo vale para a possível eliminação de determinados itens que possam eventualmente serem vistos como inapropriados em alguns mercados ou junto a determinados públicos, como certos sabores e aromas. Isso se aplica também ao que está escrito na embalagem, como alertas, recomendações e selos que garantem a origem, a procedência e o absoluto controle sobre cada mercadoria.
A essa altura, você deve ter notado um ponto relevante: já vemos restrições e obrigações como essas sendo aplicadas à venda de cigarros tradicionais de nicotina, que seguem à disposição dos consumidores sob forte regulamentação. Tendo isso em vista, não seria exagero afirmar que a mesma justificativa para manter esses produtos legalmente disponíveis para fumantes adultos pode ser aplicada para regular a venda do cigarro eletrônico ou do vape no Brasil.
Tendo claro qual é o significado e a importância de se impor regulamentações (seja no mercado de vapes, seja em outros segmentos), é possível notar porque elas representam não só uma saída necessária para combater a ilegalidade, mas também uma forma de evitar um vácuo de compromisso com quesitos como qualidade e segurança – que é exatamente o que acontece hoje no país.
Não se pode negar que esse é um problema real que aumenta ainda mais o risco à saúde de mais de 2 milhões de brasileiros que ainda fumam e gostariam de exercer a livre escolha de recorrer de forma legal aos dispositivos eletrônicos. Mas a falta dessa possibilidade os mantém restritos aos cigarros tradicionais, sem que tenham a chance de buscar uma alternativa potencialmente menos danosa e que pode até se tornar uma saída gradativa do vício em nicotina.
Enquanto isso, ao não regulamentar a venda de vapes e cigarros eletrônicos, o Brasil segue na contramão de mais de 80 países em todo o mundo, incluindo nações desenvolvidas como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Japão.
Ao mesmo tempo, o avanço do mercado ilegal de cigarros tirou do mercado brasileiro a oportunidade de arrecadar mais de R$ 86 bilhões nos últimos 10 anos, novamente de acordo com o Instituto Ipec Inteligência2. Valores que uma regulamentação clara (inclusive na indústria do vape) poderia transformar em geração de empregos, arrecadação de impostos e contribuição para o PIB.
Sob todos os aspectos (segurança, qualidade, saúde pública e economia), a regulamentação dos DEFs no Brasil não pode deixar de ser vista como uma medida necessária – com todo o controle e fiscalização que isto exige.
*Manuel Carrasco é membro do Conselho de Administração da AsoVape (Associação Colombiana de Vapers)
Fontes:
1. Dados do Instituto Ipec Inteligência publicados em reportagem do portal Poder 360 (“Mercado ilegal avança com proibição de cigarros eletrônicos”) datada de 23 de junho de 2022.
2. Dados do Instituto Ipec Inteligência publicados em reportagem do portal Época Negócios (“Em 10 anos, R$ 86 bi deixaram de ser arrecadados com mercado ilegal de cigarros”), datada de 4 de março de 2022.